JORNALISMO INTERNACIONAL

“Nunca o jornalismo cão de guarda da sociedade foi tão fundamental”: entrevista com Rodrigo Lopes

Com 25 anos de carreira, colunista afirma que o jornalismo, a ciência e a academia são essenciais para garantia de diretos e a manutenção da democracia

Durante uma semana no mês de dezembro, o jornalista Rodrigo Lopes ministrou o curso de extensão Cobertura Jornalística de Política Internacional direcionado para os alunos de Relações Internacionais e demais interessados no tema. A Secretaria de Comunicação (Secom) conversou com Rodrigo sobre o curso e também sobre política e coberturas internacionais, como é escrever sobre essas questões para um público geograficamente distante dessa realidade, os ataques sofridos pelos profissionais da imprensa, a contribuição das instituições de ensino superior no combate às fake news, eleições e o futuro da profissão.

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Rodrigo Lopes, tem 43 anos e 25 de grupo RBS, ingressou como office boy na redação do jornal em 1996, passou por todas as editorias, trabalhou como repórter e editor e uma passagem pela RBS TV. Atualmente é colunista e comentarista de assuntos internacionais da Zero Hora, Rádio Gaúcha e GZH.

Rodrigo conta que sempre foi muito curioso, gostava de ler mapas, revistas, edições históricas e programas especiais de reportagem. Desde muito cedo já gostava de viajar e sempre foi incentivado pelos pais. O repórter, que tem diversos carimbos em seu passaporte, fez sua primeira viagem ainda criança para cidade do Rio de Janeiro e recorda de ter acompanhado todo o trajeto, feito de ônibus, por um mapa rodoviário. A curiosidade sobre culturas diferentes também sempre esteve presente. Rodrigo recorda de seu álbum de figurinhas que era formado pelas bandeiras de todos os países, objeto que guarda até hoje.

Para Rodrigo todas essas experiências serviram de incentivo para a escolha e direcionamento da carreira. O jornalista confessa que na adolescência pensou em ser policial, bombeiro, médico, químico e até comissário de bordo. Mas aos 17 anos realizou o teste vocacional que mostrou aptidão para comunicação. A profissão já aparecia na família através da sua prima Simone Lopes e também pelo gosto da escrita, pela história e geografia. Assim, Rodrigo decidiu prestar o vestibular para jornalismo e desde o primeiro semestre da faculdade já frequentava a Redação da Zero Hora, aliando desde o início teoria e prática.

O comentarista afirma que através do jornalismo conseguiu realizar todos seus sonhos, conheceu mais de 30 países e testemunhou a história viva – parte que acredita ser a mais interessante da profissão. A dica que deixa para quem tem interesse em seguir a carreira é gostar de gente, ser curioso, ter interesse em diferentes culturas do mundo, não se acomodar com a primeira resposta e chegar o mais próximo possível da justiça e da verdade. E quanto a ser correspondente, diz que o importante é tentar saber mais que o leitor, porque o mundo é muito amplo e o papel do jornalista internacional é aproximar o mundo distante do público, e para isso é preciso ler muito, conhecer idiomas diferentes, a história e respeitar as diferentes culturas. Confira a seguir a conversa.

Durante uma semana fizeste relatos de experiência a respeito das coberturas internacionais que marcam tua carreira para alunos do curso de Relações Internacionais, como esse diálogo agrega no exercício da tua profissão?

É sempre muito bom. Primeiro porque o diálogo com a academia sempre nos faz refletir sobre o fazer jornalístico, e isso é fundamental para que nós profissionais do mercado não paremos no tempo. As perguntas dos estudantes nos desacomodam e isso é muito bom e nos energiza. Segundo porque eu estou fazendo uma transição, pois entrei a pouco tempo no Doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e essa troca com os estudantes da FURG acrescenta muito na minha porção acadêmica, pois cada vez mais quero me aproximar das relações internacionais, dos conceitos que para mim não são tão simples, pois são outro campo que não o da comunicação, portanto essa troca e esse diálogo é para mim muito engrandecedor no sentido de que me aproxima mais do campo das Relações Internacionais.

Conta um pouco sobre como é escrever para um público no sul do país sobre assuntos que por vezes parece tão distante da realidade dos leitores?

Escrever para o público do sul do Brasil — público do grupo RBS — é sempre muito bom, pois quando estou no exterior eu me conecto com os leitores, eles são meus companheiros de viagem. Muitas vezes em zonas de risco, em que as pessoas estão tristes e em dificuldades, fazer jornalismo é transmitir esse sentimento para o público, e também para mostrar que as realidades não são tão diferentes, na verdade o ser humano é muito parecido em qualquer lugar do mundo, é claro que as situações e os fatos que cada pessoa vive são diferentes, mas na verdade os sentimentos são muito parecidos. Na guerra, por exemplo, a gente observa o que há de melhor e de pior nas pessoas, como a solidariedade, e também a morte do homem pelo homem.

Então, escrever para o público do sul do Brasil é um exercício de tentar aproximar realidades, estabelecer laços e pontes para mostrar que é possível uma empatia. E também uma forma do jornalismo contribuir para uma mudança ou mobilização social.

Enquanto jornalista profissional, como enxergas a contribuição das instituições de ensino superior no combate a propagação das fake news?

Sou completamente a favor do curso de jornalismo, do jornalismo profissional e da formação acadêmica para o exercício da profissão, pois é na academia que temos a possibilidade de refletir criticamente a respeito da prática jornalística. Ninguém espera que na universidade se aprenda a escrever por exemplo, a técnica qualquer curso profissionalizante oferece, agora o pensar sobre a sociedade, as reflexões filosóficas e teóricas a respeito da comunicação, da importância do jornalismo, da democracia, do humanismo, do racionalismo, isso só se adquire na faculdade. Então são fundamentais o ensino superior e a profissionalização do jornalismo no combate às notícias falsas.

A cidade do Rio Grande perdeu há pouco tempo seu único jornal impresso, em contrapartida surgiram portais de notícias na internet. Sendo um jornalista de um veículo impresso tradicional, como avalias essa migração do impresso para o digital e o quanto isso pode interferir no jornalismo de qualidade e na circulação de notícias falsas?

Vejo como uma mudança de tecnologia. O jornalismo sempre esteve muito atrelado à tecnologia, o próprio papel é uma tecnologia, a comunicação se dá por um avanço tecnológico. Assim, vejo a migração para o digital como mais um passo que fatalmente vai acontecer em maior ou menor velocidade. Infelizmente no Brasil observamos jornais impressos que fazem uma migração muito rápida para o digital ou que morrem simplesmente. Então uma migração para o digital pensada com um modelo de negócio sustentável é tranquila de ocorrer e natural. Porque jornalismo de qualidade é jornalismo em qualquer mídia, seja ela o rádio, o impresso ou as plataformas digitais.

O que é lamentável nesse processo é que grandes jornais não estejam fazendo essa migração e acabam morrendo por problemas econômicos. Eu quero crer que a gente possa no Brasil não cair em um deserto de notícias, como se observa em algumas regiões dos Estados Unidos, onde não há nenhum veículo de comunicação local. Isso faz com que as populações ouçam e tenham acesso a veículos de comunicação nacionais e isso é preocupante, porque sem jornais e um jornalismo de qualidade locais e independentes financeiramente, essas populações acabam em um vácuo informacional que não contribui para democracia, para a liberdade de expressão e de escolha.

Diante do atual cenário político brasileiro, jornalistas, universidades e a ciência têm pontos preocupantes em comum, são alvos de ataques por vezes violentos e também de descrença na capacidade como promotores do conhecimento e da vida. Como avalias essa realidade e o quanto isso interfere no fazer jornalístico e no entendimento da sociedade que temos e somos?

Esse cenário anticiência e a polarização são um fenômeno global. A gente observa o crescimento de forças extremistas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e no Brasil — estão aí os movimentos antivacina para confirmar isso — é uma descrença e uma relativização da verdade factual, que coloca em xeque o racionalismo e tudo aquilo que por séculos, desde o positivismo, acreditamos como a verdade factual. Então isso coloca muitas vezes em dúvida o saber da medicina, o que pode muitas vezes pode colocar em risco a saúde das pessoas. Ao mesmo tempo, a gente observa uma tentativa de eliminar adversários políticos ou o mensageiro — e o jornalista é o mensageiro. E se forças políticas não gostam da informação eliminam o mensageiro. E isso é preocupante pois é uma tentativa de censura, ataque às liberdades de expressão e de imprensa que estamos observando em várias partes do mundo.

Mas não podemos esquecer que a história é pendular, em muitos momentos se vive maiores ataques ao jornalismo, à ciência e à academia e em outros menos, no entanto eu diria que o jornalismo nunca foi tão fundamental, assim como a ciência e a academia, como atualmente. O jornalismo, por exemplo, é a barreira de contenção contra as notícias falsas, a manipulação por parte dos poderes públicos ou econômicos. O jornalismo é o antídoto, a vacina para esse mal.

Então, a pandemia primeiro mostrou que soluções individuais, nacionalismos, não funcionam. Só sairemos dessa crise global a partir de medidas globais, pois enquanto uma pessoa não tiver se vacinado haverá ameaça de se transformar países em ninhos de covid-19. Em segundo, a crise também mostrou que o jornalismo é fundamental, e nós enquanto jornalistas vamos sair mais fortes e reconhecidos por parte da sociedade pelo nosso valor, a partir desses atores que tentam criar notícias falsas ou manipular a opinião pública. Nunca o jornalismo cão de guarda da sociedade foi tão fundamental.

Diversos países da América Latina passaram por eleições recentemente e o Brasil terá eleição neste ano. Que contribuição pode dar a mídia nesse processo, que também sofre ataques de supostas fraudes? O jornalismo profissional e as pesquisas de opinião ainda servem de parâmetros para acompanhar o processo eleitoral?

A contribuição que o jornalismo tem a dar é o que tem dado nos últimos pleitos. Claro que a eleição desse ano será a mais polarizada da história. Vimos isso acontecer no Chile, no Peru e nos Estados Unidos — com ameaça grave à democracia com o ataque de 6 de janeiro ao capitólio motivado pelo presidente da república, que claramente mentia sobre o resultado do pleito — então a contribuição do jornalismo é fazer um bom jornalismo, é separar o joio do trigo e ser essa barreira de contenção das fake news, é fazer checagem de dados, pois vão surgir diferentes narrativas tentando desacreditar a realidade.

Quanto às pesquisas eleitorais elas devem ser tratadas como realmente são, um retrato de momento e não verdades absolutas. Então vai ser um grande desafio para todos nós, mas estamos calejados e precisamos olhar para o que acontece em outros países e trazer os aprendizados para cá, especialmente o que aconteceu nos EUA e recentemente na eleição polarizada no Chile.